"Tenho
desprezo por gente que se orgulha da própria raça. Nem tanto pelo orgulho,
sentimento menos nobre, porém inerente à natureza humana, mas pela estupidez.
Que mérito pessoal um pobre de espírito pode pleitear por haver nascido branco,
negro ou amarelo, de olhos azuis ou lilases?
Tradicionalmente,
o conceito popular de raça está ligado a características externas do corpo
humano, como cor da pele, formato dos olhos e as curvas que o cabelo faz ou
deixa de fazer. Existe visão mais subjetiva?
Na
Alemanha nazista, bastava ter a pele morena para o cidadão ser considerado de
uma raça inferior à dos que se proclamavam arianos. Nos Estados Unidos, são
classificadas como negras pessoas que no Brasil consideramos brancas; lá, os
mineiros de Governador Valadares são rotulados de hispânicos. Conheci um
cientista português que se orgulhava de descender diretamente dos godos!
Há
cerca de cem mil anos, seres humanos de anatomia semelhante à da mulher e à do
homem moderno migraram da África, berço de nossa espécie, para os quatro cantos
do mundo. Tais ondas migratórias criaram forte pressão seletiva sobre nossos
ancestrais. Não é difícil imaginar as agruras de uma família habituada ao sol
da savana etíope, obrigada a adaptar-se à escuridão do inverno russo; ou as
dificuldades de adaptação de pessoas acostumadas a dietas vegetarianas ao
migrar para regiões congeladas.
Apesar
de primatas aventureiros, éramos muito mais apegados à terra natal nessa época
em que as viagens precisavam ser feitas a pé; a maioria de nossos antepassados
passava a existência no raio de alguns quilômetros ao redor da aldeia natal.
Como descendemos de um pequeno grupo de hominídeos africanos e o isolamento
favorece o acúmulo de semelhanças genéticas, traços externos como a cor da
pele, dos olhos e dos cabelos tornaram-se característicos de determinadas
populações.
Mas
seria possível estabelecer critérios genéticos mais objetivos para definir o
que chamamos de raça? Em outras palavras: além dessa meia dúzia de aspectos
identificáveis externamente, o que diferenciaria um negro de um branco ou de um
asiático?
Para
determinar o grau de parentesco entre dois indivíduos, os geneticistas modernos
fazem comparações entre certos genes contidos no DNA de cada um. Lembrando que
os genes nada mais são do que pequenos fragmentos da molécula de DNA, a
tecnologia atual permite que semelhanças e disparidades porventura existentes
entre dois genes sejam detectadas com precisão.
Tecnicamente,
essas diferenças recebem o nome de polimorfismos. É na análise desses
polimorfismos que se baseia o teste de DNA para exclusão de paternidade, por
exemplo.
Na
Universidade de Stanford, Noah Rosemberg e Jonathan Pritchard testaram 375
polimorfismos genéticos em 52 grupos de habitantes da Ásia, África, Europa e
das Américas. Através da comparação, conseguiram dividi-los em cinco grupos
étnicos cujos ancestrais estiveram isolados por barreiras geográficas, como
desertos extensos, montanhas intransponíveis ou oceanos: os africanos da região
abaixo do deserto do Saara, os asiáticos do leste, os europeus e asiáticos que
vivem a oeste dos Himalaias, os habitantes da Nova Guiné e Melanésia e os
indígenas das Américas.
No
entanto, quando os autores tentaram atribuir identidade genética aos habitantes
do sul da Índia, verificaram que seus traços eram comuns a europeus e a
asiáticos, observação consistente com a influência exercida por esses povos
naquela área do país.
A
conclusão é que só é possível identificar grupos de indivíduos com semelhanças
genéticas ligadas a suas origens geográficas quando descendem de populações
isoladas por barreiras que impediram a miscigenação.
Mas
o conceito popular de raça está distante da complexidade das análises de
polimorfismos genéticos: para o povo, raça é questão de cor da pele, tipo de
cabelo e traços fisionômicos.
Nada
mais primário! Essas características sofreram forte influência do processo de
seleção natural que, no decorrer da evolução de nossa espécie, eliminou os
menos aptos. Pessoas com mesma cor de pele podem apresentar profundas
divergências genéticas, como é o caso de um negro brasileiro comparado com um
aborígene australiano ou com um árabe de pele escura.
Ao
contrário, indivíduos semelhantes geneticamente, quando submetidos a forças
seletivas distintas, podem adquirir aparências diversas. Nos transplantes de
órgãos, ninguém é louco de escolher um doador apenas por ser fisicamente
parecido ou por ter cabelo crespo como o do receptor.
Excluídos
os gêmeos univitelinos, entre os seis bilhões de seres humanos não existem dois
indivíduos geneticamente idênticos. Dos trinta mil genes que formam nosso
genoma, os responsáveis pela cor da pele e pelo formato do rosto não passam de
algumas dezenas.
Como
as combinações de genes maternos e paternos admitem infinitas alternativas,
teoricamente pode haver mais identidade genética entre dois estranhos do que
entre primos consanguíneos; entre um negro brasileiro e um branco argentino, do
que entre dois negros sul-africanos ou dois brancos noruegueses."
(*) Artigo escrito pelo Dr. Drauzio Varela
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