Pense rápido: qual o número de telefone da casa em que morou quando era criança? E o celular do colega de trabalho que chegou à empresa há cerca de seis meses? Provavelmente, foi mais fácil responder à primeira pergunta do que à segunda. Mas, antes que você comece a questionar a sua memória, é importante dizer: você não está sozinho. Estudos científicos chamam esse fenômeno de 'efeito Google' ou seja 'amnésia digital', um sintoma de um comportamento cada vez mais comum: o de confiar o armazenamento de dados importantes aos dispositivos e à internet no lugar de guardá-los na cabeça.
A ideia é simples: se você não tem de lembrar de cor todos os números de telefone de todos os seus contatos, uma vez que eles estão no seu Smartphone, pode ocupar sua memória com informações mais importantes ou úteis. 'É parecido com o diretor que delega para sua secretária a tarefa de lembrar seus compromissos, ou com usar uma agenda de telefones para registrá-los', explica o neurologista Paulo Bertolucci, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Utilizar um recurso externo para não precisar lembrar de algo não é exatamente novo - vale lembrar das aulas de História, em que o aparecimento da escrita é considerado um dos grandes marcos da evolução da humanidade. No entanto, quando informações importantes são confiadas ao mundo digital, há uma diferença na maneira como esses dados são acessados.
'Para achar um dado em um livro, preciso saber qual é o livro e lê-lo até achar o que preciso. É um grande trabalho. Por isso, muitas vezes retemos esses dados conosco para não ter de encontrá-los outra vez', diz o pesquisador Adrian F. Ward, da Universidade de Austin, nos Estados Unidos.
Na internet, porém, basta um clique para vasculhar um sem-número de informações. Segundo Ward, o acesso e a quantidade de texto faz com que o cérebro humano não considere útil graves esses dados, uma vez que é fácil encontrá-los de novo, rapidamente. 'São dados que ficam apenas na nossa memória de trabalho, que é rapidamente descartada'. explica Bertolucci, da Unifesp. 'É como quando consultamos o telefone de uma loja: após discar e fazer a ligação, não precisamos mais dele'.
Ignorância
O problema pode ser mais grave do que se imagina: além de recorrer à internet para guardar informações, muitas pessoas têm a impressão de que os dados online fazem parte de sua própria memória.
Em sua tese de doutorado na Universidade de Harvard, Adrian F. Ward fez o seguinte experimento: 155 pessoas foram divididas em três grupos para responder a um questionário com dez perguntas de conhecimentos gerais. Um grupo não teria acesso ao Google para pesquisar respostas, enquanto os outros dois poderiam buscar soluções na internet - um deles, no entanto, receberia resultados falsos à correção de seus testes, acreditando que teriam 80% de aproveitamento.
Na sequência, Ward pediu para que os três grupos estimassem seu desempenho caso respondessem a um teste semelhante sem a ajuda da internet. O grupo que recebeu o feedback falso apostou que teria o melhor desempenho, com 65% de aproveitamento em um novo teste - quem não pode recorrer á internet apostou que teria quatro acertos em 10 questões, enquanto os usuários que tiveram acesso à rede, mas receberam corretamente seus resultados, previram que teriam 55% de acertos.
'Aprender pode ser uma habilidade: assim, é bom saber tanto o que se sabe como ter compreensão do que não se sabe. Com a internet sempre acessível, essa fronteira se torna borrada', diz Ward.
Não vale 'colar'. O 'efeito Google' já tem suas consequências sendo sentidas na sala de aula, ao provocar mudanças na forma como crianças e adolescentes aprendem. 'É difícil convencer os estudantes de que eles precisam guardar um dado, porque hoje a informação é uma commodity, que pode ser encontrada em qualquer lugar', diz a pesquisadora em neurociência Kathryn Mills, da University College Of London".
(*) texto publicado no caderno "Plus Domingo", do Jornal Diário do Amazonas, em 12.06.16, assinado por Bruno Capelas (AE).
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